20 novembro, 2013

Rosa Cinza

São tudo rosas.
A cor das meninas. E as flores com espinhos. O mundo da fluoxetina. E a essência das tias. São rosas despedaçadas para os amantes pisarem. E rosas secas para perfumar lavabos. São rosas as marcas da pancada. E da palmada para educar.
O tapa no rosto é rosa. E a bochecha maquiada.
É rosa a pele do branco. E o lábio do negro.
É rosa o pensamento da criança, antes de ser cinza.
É rosa o terço da novena. E rosa a esperança de cada oração.
Os dias são cor-de-rosa pra quem é todo coração.

São tudo nuvens cinzas quando tá nublado.
É cinza a fumaça feia do ônibus que leva pro trabalho. É cinza a segunda-feira.
São cinzas os restos do seu avô. E serão os seus, se assim quiser.
É cinza a camiseta do moleque. E a calça da executiva. É cinza o mundo do pessimista.
São cinzas do fogo da floresta. E cinza o planeta que espera.
Da bituca do cigarro ansioso, resta a cinza.
E do cinzeiro, a ferrugem.
É cinza o asfalto da estrada, de quem tem pressa.
É cinza o mesmo asfalto, de quem é só parada.

Ficou cinza a rosa que você me deu. Pois secou.


06 novembro, 2013

A Moça da Vivo

Ela esperava uma boa notícia. E o celular tocou. Esperava qualquer novidade. O celular tocava. Ela não reconheceu o número, a barriga gelou.

-       Alô?

-       É da Vivo.

Era a moça da Vivo.
Ela se sentia vazia de vida.

A moça da Vivo perguntou se ela queria a promoção. Queria, mas não essa. Ela queria viajar. Ela queria ser e estar. Mas a moça da Vivo não entendia. A moça da Vivo não poderia dar o que ela queria.

-       Não estou interessada.
Ela estava interessada em sair e respirar ar puro.
Em inspirar terras estrangeiras.
A moça da Vivo saberia? A moça da Vivo já sonhou com a áfrica? A moça da Vivo já chorara no capítulo 03? A moça da Vivo já comeu arroz desejando derrubar vinho tinto? A moça da Vivo já sonhou com jardins e ervas? A moça da Vivo queria o quê?

-       Você deseja mais alguma coisa?

-       A senhora tem um combo com fone fixo e internet? Nós temos uma oportunidade...

A moça da Vivo falava em oportunidade. Ela pensava em saídas.
Ela percorria subsolos. Ela soluçava fumaça. Ela tragava cerveja. Ela vomitava conquistas.
A moça da Vivo já tinha vomitado? A moça da Vivo já tinha tomado um porre? A moça da Vivo rezava antes de dormir? A moça da Vivo trepava ou fazia amor? A moça da Vivo sabia?

-       A senhora tem uma pendência na sua conta. Eu posso checar para senhora.
A moça da Vivo sabia que ela tinha uma pendência com seus dias?
Ela tinha demorado consigo. Ela não desobedecia nunca. Ela falava sempre sim. Ela nunca atrasava. Nunca atrasava o relógio. Nem a hora. Nem a conta.

-       Desculpe senhora, cometi um engano. Está tudo ok com sua conta.
Ela não se permitia errar. Nunca. Ela se permitia apenas o porre. Ela se permitia apenas o trago.
A moça da Vivo errava? A moça da Vivo pensava? Como a moça da Vivo está vestida? Como? Quantos ônibus a moça da Vivo pegou para falar em um telefone distante de sua casa? Por que a moça da Vivo não a deixava em paz? Por que? A boa notícia podia estar tocando na outra linha.

- Eu preciso atender a outra linha.


Ela não queria um celular. Queria um tele-transporte.