10 junho, 2014

SOBRE AS IRMAS QUE ESCOLHEMOS


Em certa altura de suas memórias, Brás Cubas, personagem de Machado de Assis, já mais velho e em um momento de melancolia, começa a reler suas cartas da juventude. De amigos que passaram, das primeiras namoradas... E aconselha: “Caro leitor, guarde suas cartas da juventude!”
Aconselho o mesmo. Jovens, agora pode parecer menor, mas recorde de mim e de Brás Cubas: guarde suas cartas da juventude (no caso hoje, fotos e e-mails)

Acho que fiz tão bem quanto: guardei uma amiga, praticamente uma irmã.

Não me lembro se tinha 7 ou 9 anos... mas me lembro como se fosse ontem a primeira vez que a vi. Ela morava na casa em frente a minha. O portão abriu e a vi brincando com o cachorro. Na época, meu sonho era ter um cachorro.
Minha mãe que instigou para eu ir lá brincar com ela.
Um dia fui.  Fui brincar na casa dela. Nunca mais nos separamos.

Hoje, toda vez que estamos juntas, eu tenho uma sensação estranha que apelidei de tempo flexível. Como se o passado fosse na última semana. Como se vinte anos se transformassem em 4 meses.

O tempo é coisa difusa na nossa cabeça. E a memória, como disse Waly Salomão, é uma ilha de edição.

Por isso eu me reconheço nela. Minha amiga querida é um reflexo de quem fui e de quem sou.

Sim, crescemos juntas, isso não significa que grudadas.

Nos primeiros anos íamos brincar uma na casa da outra quando eu voltava da escola. Uma vez, minha mãe falou que precisava de dez minutos antes de me levar lá. Perguntei o que eram dez minutos, e ela explicou que eram dez voltas do ponteiro médio. Esperei ansiosa o ponteiro médio dar dez voltas.

Quando estamos juntas, parece que faz uns 3 anos apenas que brincávamos de misturar “tudo que tinha na cozinha” para ver no que dava. Ou que fazíamos cabanas imensas de cobertor na sala. Ou que passávamos água e sabão no chão de azulejo para escorregar. E ficávamos com a bunda toda vermelha.

Também parece que faz alguns anos apenas que eu achava que ia morrer porque o Guilherme da sexta B nem olhava pra mim. E que a gente conversou sobre isso, e depois passamos juntas  por mais 284 relacionamentos encrencados... e enfim, deu tudo certo no final.

Eu me ajuntei. Ela vai casar.  E eu estarei ao lado dela, como sempre. Porque agora escolhemos dividir nossas vidas com outros companheiros.

Não lembro se já brigamos.

Mas nos separamos algumas vezes. Crescemos, mudamos, ficamos diferentes, depois muito diferentes, e depois parecidas de novo. Ela morou fora.  E voltou. Eu fui fazer minhas “viagens” e voltei também.

Mas eu sei onde ela está. E sei que ela sabe onde estou.

Ela me liga ao meu passado.

E, esses dias, conversávamos sobre filhos. Como pode fazer 6 meses que brincávamos de bexiga de água, e hoje falarmos sobre filhos?
Não sei, o tempo tem suas estripulias.
Sei que nossos filhos provavelmente farão cabaninhas juntos. E, quando eu vir essa cena, talvez um arrepio percorra minha coluna, pois saberei que a vida é um sopro.

“A vida é um sopro”, quem disse isso foi Oscar Niemeyer, que morreu com 105 anos.

Jovens, guardem suas cartas. Suas fotos. Seus irmãos de carne.
Mas guardem, nem que seja um ou dois, irmãos escolhidos. E a medida que vocês percorrem a vida, e mudarem, e se transformarem. Eles, que terão também mudado, e se transformado, te ligarão de formas incompreensíveis a quem você foi. E que não será mais. Porque o tempo caminha de uma forma no espaço, e de outra completamente diferente dentro de nós.