Em
certa altura de suas memórias, Brás Cubas, personagem de Machado de Assis, já
mais velho e em um momento de melancolia, começa a reler suas cartas da
juventude. De amigos que passaram, das primeiras namoradas... E aconselha: “Caro
leitor, guarde suas cartas da juventude!”
Aconselho o mesmo.
Jovens, agora pode parecer menor, mas recorde de mim e de Brás Cubas: guarde
suas cartas da juventude (no caso hoje, fotos e e-mails)
Acho que fiz tão
bem quanto: guardei uma amiga, praticamente uma irmã.
Não me lembro se
tinha 7 ou 9 anos... mas me lembro como se fosse ontem a primeira vez que a vi.
Ela morava na casa em frente a minha. O portão abriu e a vi brincando com o
cachorro. Na época, meu sonho era ter um cachorro.
Minha mãe que
instigou para eu ir lá brincar com ela.
Um dia fui. Fui brincar na casa dela. Nunca mais nos
separamos.
Hoje, toda vez que
estamos juntas, eu tenho uma sensação estranha que apelidei de tempo flexível.
Como se o passado fosse na última semana. Como se vinte anos se transformassem
em 4 meses.
O tempo é coisa
difusa na nossa cabeça. E a memória, como disse Waly Salomão, é uma ilha de
edição.
Por isso eu me
reconheço nela. Minha amiga querida é um reflexo de quem fui e de quem sou.
Sim, crescemos
juntas, isso não significa que grudadas.
Nos primeiros anos
íamos brincar uma na casa da outra quando eu voltava da escola. Uma vez, minha
mãe falou que precisava de dez minutos antes de me levar lá. Perguntei o que
eram dez minutos, e ela explicou que eram dez voltas do ponteiro médio. Esperei
ansiosa o ponteiro médio dar dez voltas.
Quando estamos
juntas, parece que faz uns 3 anos apenas que brincávamos de misturar “tudo que
tinha na cozinha” para ver no que dava. Ou que fazíamos cabanas imensas de
cobertor na sala. Ou que passávamos água e sabão no chão de azulejo para
escorregar. E ficávamos com a bunda toda vermelha.
Também parece que
faz alguns anos apenas que eu achava que ia morrer porque o Guilherme da sexta
B nem olhava pra mim. E que a gente conversou sobre isso, e depois passamos
juntas por mais 284 relacionamentos
encrencados... e enfim, deu tudo certo no final.
Eu me ajuntei. Ela
vai casar. E eu estarei ao lado dela,
como sempre. Porque agora escolhemos dividir nossas vidas com outros
companheiros.
Não lembro se já
brigamos.
Mas nos separamos
algumas vezes. Crescemos, mudamos, ficamos diferentes, depois muito diferentes,
e depois parecidas de novo. Ela morou fora.
E voltou. Eu fui fazer minhas “viagens” e voltei também.
Mas eu sei onde ela
está. E sei que ela sabe onde estou.
Ela me liga ao meu
passado.
E, esses dias,
conversávamos sobre filhos. Como pode fazer 6 meses que brincávamos de bexiga
de água, e hoje falarmos sobre filhos?
Não sei, o tempo
tem suas estripulias.
Sei que nossos
filhos provavelmente farão cabaninhas juntos. E, quando eu vir essa cena,
talvez um arrepio percorra minha coluna, pois saberei que a vida é um sopro.
“A vida é um
sopro”, quem disse isso foi Oscar Niemeyer, que morreu com 105 anos.
Jovens, guardem
suas cartas. Suas fotos. Seus irmãos de carne.
Mas guardem, nem
que seja um ou dois, irmãos escolhidos. E a medida que vocês percorrem a vida,
e mudarem, e se transformarem. Eles, que terão também mudado, e se
transformado, te ligarão de formas incompreensíveis a quem você foi. E que não
será mais. Porque o tempo caminha de uma forma no espaço, e de outra
completamente diferente dentro de nós.
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