Os
comerciais de margarina se imortalizaram ao retratar as famílias perfeitas,
lindas, brancas, que acordam com muito bom humor, e chegam para tomar o café da
manhã perfeito, com uma mesa incrivelmente bem posta que a mamãe (claro)
preparou.
Papai,
mamãe, filhinho, filhinha e cachorro se abraçam e sorriem numa segunda feira
matinal.
Não
preciso nem dizer que essa cena é irreal, né? Prin-ci-pal-men-te, numa
segunda-feira DE MANHA.
Mas
sabe o que? Eu não quero isso. Não quero mesmo. Meus sonhos passam muito
distante desse higiênico pseudo retrato da família brasileira (?) feliz.
Essa
instituição familiar, dessa forma, já mudou muito, e mesmo assim continuamos
tendo de engoli-la através de comerciais desse naipe.
Entre
meus amigos (a família que escolhemos, por sinal) os cafés da manha familiares
são beeem mais diversos que isso. Duas meninas. Dois caras. Uma galera que divide
um ap. Casais sem filhos mas com gatos...Tem quem more sozinho, tem quem more
com os pais, tem quem more numa eco comunidade coletivista...
Toda
vez que eu assisto um desses comerciais, eu tenho piripaques só de pensar nessa
vida. Sério. O comercial de margarina prega uma vida sem nenhum defeito, isso
significa que ela deve ser insuportavelmente repetitiva toda manhã.
Será
que a família do comercial de margarina acamparia numa praia deserta, sem saco
de dormir?
Será
que a família do comercial de margarina dormiria às sete e meia da manhã,
depois de uma noite de bebedeira?
Será
que a família do comercial de margarina desencanaria de lavar a louça por três
dias, porque não deu tempo?
Será
que a família do comercial de margarina passa a madrugada enfiada em um projeto
que tem que ser entregue no dia
seguinte?
Será
que a família do comercial de margarina chora? Briga? Se descabela de desespero
frente à injustiças?
Eu
imagino a família do comercial de margarina numa redoma, aquela mesma redoma que protege a casa das
famílias perfeitas dos comerciais de inseticida.
Você
já prestou atenção nos comerciais de OFF ou de RAID PROTECTOR?
A
família protegida de tudo, qualquer mosquinha pode lhe fazer mal. E nós não
queremos isso, não é?
Nós
queremos a família de comercial de margarina morando dentro de uma casa envolta
em uma redoma de proteção, onde nem baratas (nem a vida real) consiga entrar e
nos ameaçar. E para dar tudo certo, a gente perfuma com Glade Plug.
Nem
em um milhão de anos eu queria uma vida assim. Uma vida sem sair por aí pra
saber onde vai dar. Uma vida sem correr riscos. Desejo do fundo do meu coração
que meus filhos (se eu decidir tê-los), sejam picados por abelhas, cortem o
joelho, persigam lagartixas dentro de casa.
Os
comerciais de margarina, de Raid e de Glade Plug te levam a desejar uma vida
falsa. Uma vida que nega a natureza. Uma vida que te faz trocar o cheiro de
flores pelo perfume de um líquido sintético (sério, alguém sabe do que é feito
o Glade Plug?). Uma vida cega, que não enxerga o que tá acontecendo lá fora, e
nem deseja fazer parte. Uma vida sem gosto, como a margarina (vai dizer que a manteiga
não é muito mais saborosa?)
Nenhuma vida é perfeita. Nós temos altos e baixos. E eu, como todo mundo, também
vira e mexe vou pro fundo do poço, e me desespero achando que não vou sair de
lá tão cedo. Eu também, às vezes tenho medo do futuro. Outras vezes saudades do
passado. Outras ainda desejo coisas que me parecem inalcançáveis.
Mas
garanto, que essa vida meio torta, e mil vezes menos fotogênica, se parece
muito mais com uma vida de verdade. E só quando a gente entender que os
publicitários que construíram a família margarina, também estão muito longe de
ter uma vida assim, é que a gente vai ter certeza que, sim, nós queremos muitas
coisas... mas não queremos a vida do comercial de margarina.
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