Lembro que quando eu era criança, a árvore de Natal sempre aparecia cheia na manha do dia 25 de dezembro. Eram vários presentes embaixo. Até os meus oito ou nove anos de idade minha família era rica, e podia encher as crianças da casa (eu, no caso) de mimos natalinos.
Acho que nunca gostei realmente do Natal depois dessa idade. Lembro de, durante anos seguidos, pedir chocolate de presente de Natal!
Ainda não gosto. um porque sou contra o catolicismo, dois poruque tem um lado meu que abomina o consumismo exacerbado. Alguns de meus amigos dizem que é meu lado hippie, outros, que são provavelmente mais hippies, simplesmente concordam comigo e tecemos longas discussões sobre isso em butecos da cidade, consumindo... cerveja.
Detalhes religiosos ou econômicos a parte, o Natal na minha casa, há tempos, não tem mesmo muita graça. É uma desculpa para parentes que não se vêem o ano todo, se reunirem numa noite, com os cabelos arrumados.
A melhor parte da festa, pra mim, é o pro secco, as farofas e o Perú. Mesmo assim, ainda me deprimo um pouco com a imagem do cadáver do peru na mesa... (meu lado hippie de novo)
O Natal desse ano, que teria tudo pra ser igual, vai ser um pouco mais triste. A falta que meu avô faz vai estar presente, pois era sempre ao lado dele que eu passava grande parte da noite, ouvindo as animadas histórias que ele tinha pra contar.
Mas o Natal está aí, não é mesmo? Presente (desculpe o trocadilho) nas ruas, nas incontáveis guirlandas e luzinhas, nos enfeites horrorosos de shoppings, e nos pouquíssimos criativos comerciais de televisão especiais para a data. E isso enche os olhos da gente, da gente que gosta de presente, de surpresa e, principalmente, de esperança (eita palavrinha!). Mais ainda das crianças, as que sabem que vão acordar com a árvore cheia de presentes, como eu, vinte anos atrás... e enche os olhos também das outras crianças, as que não vão acordar com presentes embaixo da árvore, mas que assistem, como as primeiras, ao mesmo desfile de enfeites nas ruas e propagandas na televisão.
Pois se o Natal é indiferente pra mim... (menos por causa do trânsito surreal que espalha pela cidade), não é pra elas. E foi por isso que eu fui até o Correio, semana passada.
Fiquei sabendo por um amigo meu desse projeto. Você vai lá, lê as cartinhas que as crianças escreveram pro Papai Noel, escolhe uma ou mais, e leva o presente, para que o Correio entregue pro dono da carta.
Pois eu fiz isso. E, vou confessar que me surpreendi um pouco com os tipos dos pedidos das crianças. Os habituais bicicleta e patins, povoaram cerca de 70 por cento das cartas, me deparei com inúmeros pedidos de lap tops – devo estar mesmo com os primeiros sinais da idade por me surpreender com crianças de oito anos pedido lap tops – a maioria era do lap top do Ben 10 ( o que só veio confirmar a minha observação sobre o poder mítico que o consumismo imposto pela televisão que povoa a mente dessas crianças, que assistem diariamente a um desfile de marcas e produtos que trazem “felicidade instantânea”, e que nunca poderão ter)
Eis que encontro as minhas cartinhas, as duas com as quais me identifiquei, me emocionei. Uma menininha de oito anos que quer um fogaozinho para cozinhar para suas bonecas. E uma avó, que escreve pedindo uma bola de futebol, que ela quer muito poder dar de presente ao neto de nove anos.
Percebam, leitores, que não é preciso ser nenhum Freud para sacar porque me emocionei com a cartinha escrita pela avó...
Hoje foi uma tarde que estive especialmente magoada. Especialmente descrente. Especialmente sensível.
Uma tarde vagarosa...
Nessa tarde terminei de ler Quincas Borba e fechei o livro na palavra fim – finais de livro me entristecem de uma forma toda especial – finais de livro do Machado de Assis são, ainda mais, especialmente tristes. Os fins do machado são geniais. Geniais porque são incrivelmente realistas. Porque são incrivelmente desenperançosos. Porque são tristes e simples. (porque insisto em terminar livros em tardes melancólicas em que já estou abalada?)
E foi assim, numa tarde vagarosa e triste, que eu peguei o papel craft (os Correios falaram que tinha que ser papel craft) e pela primeira vez na vida eu sentei no chão, com papel de embrulho, durex, e brinquedos cuidadosamente escolhidos por mim, e embrulhei presentes de natal para duas crianças!
Talvez porque tarefas manuais relaxem. Talvez porque embrulhos pra mim sejam complicados de fazer e isso me centrou. Talvez porque eu tenha criado na minha imaginação toda a cena daquela menininha cozinhando e daquele garotinho fazendo embaixadinhas, com coisas simples que correm muito longe de idéias de Bens 10, Guirlandas de Shoppings e luzinhas de Natal das mansões do Morumbi. Ou talvez porque é a mais absoluta verdade o fato de que, quando tentamos fazer algo bom pra alguém, a alma que mais sai ganhando, de longe, é a nossa...
Talvez por tudo isso junto, misturado com o desastroso resultado dos embrulhos, o que resultou em risinhos internos... A minha primeira experiência em embrulhar um presente de natal para uma criança nem por um segundo me devolveu a fé na humanidade e na bondade dos homens, mas foi uma das coisas mais deliciosas que eu fiz nessa última semana. E me inspirou de verdade.
E a tarde deu até uma iluminada (nossa, que breguice, preciso tomar cuidado com espírito do cafona, muito presente nessa época do ano)
P S – Só espero que a avó desse menino pegue o embrulho nos Correios, e reembrulhe o presente, porque senão o garoto vai perder toda a fé no Papai Noel, achando que o bom velhinho pôde ter feito aquele embrulho horrendo.
P S 2 – aviso importante, esse texto não é uma propaganda mal paga das Agências dos Correios.
É como se eu estivesse olhando você pensando e fazendo tudo isso... e ouço até sua voz!
ResponderExcluirMinha escritora e hippie predileta!!!
Opinião mais do que suspeita, mas é a única que eu tenho: Vc e seus textos são muito elegantes e fortes e cool!!
ResponderExcluirEu acho bacanérrima a ideia dos Correios, me falta só deixar a preguiça de lado e uma boa dose de vergonha na cara para poder participar do projeto.
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