14 dezembro, 2010

A que ponto chegamos!?!

Um domingo desses eu fui num Festival chamado SWU. O tal festival se pretendia ser o “novo Woodstock”. Ok... Risadas à parte, é lógico que esse festival, que custava mais de cem reais pra entrar, nunca iria ser o novo Woodstock, não seria nem a sátira do Woodstock...

Além disso, ele se pretendia ser um festival de arte e sustentabilidade... nisso ele poderia até chegar mais perto, porque a tal da sustentabilidade é o respiro do nosso tempo (como as guitarras e o LSD o foram...). A música foi boa. A tentativa foi boa, boas idéias de ações pseudo sustentáveis... Mas o SWU esqueceu de contar uma coisinha, e talvez seja ela que nunca, nunca , nem com dez milhões de arvores plantadas, o permitiria ser o novo Woodstock, ou o respiro rebelde irmão do nosso tempo, o sustentável. Sabe por que? Porque o Festival foi patrocinado. É, meu caro, Patrocinado.

O patrocínio que obrigou os “roqueiros”, os “artistas”, os “ambientalistas” e todos aqueles que se pretendem rebeldes hoje, como o foram os tios de alguns outrora, a beber cerveja Heineken por sete reais o copo. E a comer espetos Mimi.

É... pois ninguém podia entrar no “Festival de Arte e Sustentabilidade” com nada comestível ou bebível que fosse, ou que lhe aprouvesse o paladar rebelde. Não importava o quanto nos deliciássemos com a música de bandas realmente boas, nós devíamos fazer isso consumindo marcas específicas.

O patrocínio penetrou, de maneira implacável e silenciosa, no campo da arte. E isso não pode ficar assim!

Mas o SWU foi o exemplo brando que eu arrumei pra iniciar esse texto, que vai falar de coisa pior. Me acompanhem:

Sábado passado eu fui na Exposição Água, que tá rolando na OCA, lá no Parque do Ibirapuera.

A Oca pretendia, como diz no programa que tá na minha mão, “fazer uma exposição sobre a água é como realizar uma exposição sobre a vida, pois cabe tudo nesse conceito.”

A exposição pretendia abordar água e sua relação com a vida: Nela entrou a ciência, com a parte dos biomas marinhos e belos aquários. Nela entrou história, com a reprodução de diversas embarcações que fizeram o homem vencer o obstáculo água. Nela entrou arte, com obras de artistas diversos, que trabalharam o tema água. Nela entrou cidadania, com a questão das enchentes. Nela entrou, obviamente, ecologia, com a questão do futuro e a finitude da água.

Nela entrou outra coisa – que a Oca deixou entrar.

Havia obras interativas, vídeos, fotos, textos... e entre esses, misturados neles, havia vídeos, fotos e textos... igualmente interativos, igualmente informativos... peraí!

Esses outros estavam em stands PATROCINADOS, no meio da exposição! Como que fazendo parte dela! Um stand da Petrobrás (escute bem) Petrobrás, com vídeos e textos informativos... informativos!?! Um stand do Bradesco, com obras interativas... obras!?!?

Sim, o que entrou na exposição também foram marcas.

A que ponto chegamos!?

O patrocínio entrou (entrou), no último local da arte livre, da rebeldia, da expressão humana desinteressada: o museu! O patrocínio entrou nos museus e se misturou às obras.

Isso não pode ser permitido. Isso é uma afronta. Os textos dos stands patrocinados NÃO são informativos – são propaganda. As obras interativas não são obras – não são nada, são lixo comercial. Isso não pode ser misturado. A gente não pode deixar...


Não sei se todo mundo percebeu, mas o cinema (a sétima arte?), o cinema, tem um filme – o Náufrago – que tem um ator que está tão bem... “um show de interpretação” disseram. “Ele passa o filme contracenando com uma bola, fantástico, foi até indicado ao Oscar...”, o Tom Hanks é mesmo... O Náufrago é um comercial de duas cansativas horas da Fedex. Ah, quer dizer, duas horas e quinze minutos. Um comercialzão. “mas o cenário é tão lindo...”

“Mas a arte não vive sem patrocínio...” É, talvez não viva mesmo. Eu escrevo pra televisão, e não existe nada mais comercial que isso – a televisão passa anúncio, e entre um anúncio e outro, passa um programa pra te distrair – mas TV não é arte. Arte é arte. Informação científica é informação científica. Belo é o Belo. E estética e ética são conceitos caros à nós.
Então patrocínio não pode ser misturado. Apoio é uma coisa – patrocínio dentro de museu misturado às obras é outra muito diferente. E se a gente não prestar atenção na diferença, os vídeos do Bradesco, da Petrobrás, e da Fedex, vão ser as obras que vamos admirar daqui uns anos.
E as informações que a Petrobrás nos passa sobre o Pré sal vão virar textos científicos aceitos.

Um comentário:

  1. Esqueceu de dizer que, junto à propaganda do Fedex, há a propaganda da bola "Wilson". rs. Mas concordo com você. Acho que a arte pode sim ser patrocinada por uma determinada entidade ou empresa, mas os objetivos empresariais não podem ser considerados uma arte em si.

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