13 novembro, 2014

Mar

Sempre que a gente tava no mar e chovia meu avô falava: "rápido, afunda pra não se molhar."
Como eu sinto saudades dele.

14 outubro, 2014

POR QUE EU NÃO QUERO A VIDA DO COMERCIAL DE MARGARINA



Se você é deste planeta e já assistiu à televisão deve saber do que estou falando.
Os comerciais de margarina se imortalizaram ao retratar as famílias perfeitas, lindas, brancas, que acordam com muito bom humor, e chegam para tomar o café da manhã perfeito, com uma mesa incrivelmente bem posta que a mamãe (claro) preparou.
Papai, mamãe, filhinho, filhinha e cachorro se abraçam e sorriem numa segunda feira matinal.

Não preciso nem dizer que essa cena é irreal, né? Prin-ci-pal-men-te, numa segunda-feira DE MANHA.

Mas sabe o que? Eu não quero isso. Não quero mesmo. Meus sonhos passam muito distante desse higiênico pseudo retrato da família brasileira (?) feliz.

Essa instituição familiar, dessa forma, já mudou muito, e mesmo assim continuamos tendo de engoli-la através de comerciais desse naipe.

Entre meus amigos (a família que escolhemos, por sinal) os cafés da manha familiares são beeem mais diversos que isso. Duas meninas. Dois caras. Uma galera que divide um ap. Casais sem filhos mas com gatos...Tem quem more sozinho, tem quem more com os pais, tem quem more numa eco comunidade coletivista...

Toda vez que eu assisto um desses comerciais, eu tenho piripaques só de pensar nessa vida. Sério. O comercial de margarina prega uma vida sem nenhum defeito, isso significa que ela deve ser insuportavelmente repetitiva toda manhã.

Será que a família do comercial de margarina acamparia numa praia deserta, sem saco de dormir?

Será que a família do comercial de margarina dormiria às sete e meia da manhã, depois de uma noite de bebedeira?

Será que a família do comercial de margarina desencanaria de lavar a louça por três dias, porque não deu tempo?

Será que a família do comercial de margarina passa a madrugada enfiada em um projeto que tem que ser entregue  no dia seguinte?

Será que a família do comercial de margarina chora? Briga? Se descabela de desespero frente à injustiças?

Eu imagino a família do comercial de margarina numa redoma,  aquela mesma redoma que protege a casa das famílias perfeitas dos comerciais de inseticida.

Você já prestou atenção nos comerciais de OFF ou de RAID PROTECTOR?
A família protegida de tudo, qualquer mosquinha pode lhe fazer mal. E nós não queremos isso, não é?
Nós queremos a família de comercial de margarina morando dentro de uma casa envolta em uma redoma de proteção, onde nem baratas (nem a vida real) consiga entrar e nos ameaçar. E para dar tudo certo, a gente perfuma com Glade Plug.

Nem em um milhão de anos eu queria uma vida assim. Uma vida sem sair por aí pra saber onde vai dar. Uma vida sem correr riscos. Desejo do fundo do meu coração que meus filhos (se eu decidir tê-los), sejam picados por abelhas, cortem o joelho, persigam lagartixas dentro de casa.  

Os comerciais de margarina, de Raid e de Glade Plug te levam a desejar uma vida falsa. Uma vida que nega a natureza. Uma vida que te faz trocar o cheiro de flores pelo perfume de um líquido sintético (sério, alguém sabe do que é feito o Glade Plug?). Uma vida cega, que não enxerga o que tá acontecendo lá fora, e nem deseja fazer parte. Uma vida sem gosto, como a margarina (vai dizer que a manteiga não é muito mais saborosa?)

Nenhuma vida é perfeita. Nós temos altos e baixos. E eu, como todo mundo, também vira e mexe vou pro fundo do poço, e me desespero achando que não vou sair de lá tão cedo. Eu também, às vezes tenho medo do futuro. Outras vezes saudades do passado. Outras ainda desejo coisas que me parecem inalcançáveis.

Mas garanto, que essa vida meio torta, e mil vezes menos fotogênica, se parece muito mais com uma vida de verdade. E só quando a gente entender que os publicitários que construíram a família margarina, também estão muito longe de ter uma vida assim, é que a gente vai ter certeza que, sim, nós queremos muitas coisas... mas não queremos a vida do comercial de margarina.









10 junho, 2014

SOBRE AS IRMAS QUE ESCOLHEMOS


Em certa altura de suas memórias, Brás Cubas, personagem de Machado de Assis, já mais velho e em um momento de melancolia, começa a reler suas cartas da juventude. De amigos que passaram, das primeiras namoradas... E aconselha: “Caro leitor, guarde suas cartas da juventude!”
Aconselho o mesmo. Jovens, agora pode parecer menor, mas recorde de mim e de Brás Cubas: guarde suas cartas da juventude (no caso hoje, fotos e e-mails)

Acho que fiz tão bem quanto: guardei uma amiga, praticamente uma irmã.

Não me lembro se tinha 7 ou 9 anos... mas me lembro como se fosse ontem a primeira vez que a vi. Ela morava na casa em frente a minha. O portão abriu e a vi brincando com o cachorro. Na época, meu sonho era ter um cachorro.
Minha mãe que instigou para eu ir lá brincar com ela.
Um dia fui.  Fui brincar na casa dela. Nunca mais nos separamos.

Hoje, toda vez que estamos juntas, eu tenho uma sensação estranha que apelidei de tempo flexível. Como se o passado fosse na última semana. Como se vinte anos se transformassem em 4 meses.

O tempo é coisa difusa na nossa cabeça. E a memória, como disse Waly Salomão, é uma ilha de edição.

Por isso eu me reconheço nela. Minha amiga querida é um reflexo de quem fui e de quem sou.

Sim, crescemos juntas, isso não significa que grudadas.

Nos primeiros anos íamos brincar uma na casa da outra quando eu voltava da escola. Uma vez, minha mãe falou que precisava de dez minutos antes de me levar lá. Perguntei o que eram dez minutos, e ela explicou que eram dez voltas do ponteiro médio. Esperei ansiosa o ponteiro médio dar dez voltas.

Quando estamos juntas, parece que faz uns 3 anos apenas que brincávamos de misturar “tudo que tinha na cozinha” para ver no que dava. Ou que fazíamos cabanas imensas de cobertor na sala. Ou que passávamos água e sabão no chão de azulejo para escorregar. E ficávamos com a bunda toda vermelha.

Também parece que faz alguns anos apenas que eu achava que ia morrer porque o Guilherme da sexta B nem olhava pra mim. E que a gente conversou sobre isso, e depois passamos juntas  por mais 284 relacionamentos encrencados... e enfim, deu tudo certo no final.

Eu me ajuntei. Ela vai casar.  E eu estarei ao lado dela, como sempre. Porque agora escolhemos dividir nossas vidas com outros companheiros.

Não lembro se já brigamos.

Mas nos separamos algumas vezes. Crescemos, mudamos, ficamos diferentes, depois muito diferentes, e depois parecidas de novo. Ela morou fora.  E voltou. Eu fui fazer minhas “viagens” e voltei também.

Mas eu sei onde ela está. E sei que ela sabe onde estou.

Ela me liga ao meu passado.

E, esses dias, conversávamos sobre filhos. Como pode fazer 6 meses que brincávamos de bexiga de água, e hoje falarmos sobre filhos?
Não sei, o tempo tem suas estripulias.
Sei que nossos filhos provavelmente farão cabaninhas juntos. E, quando eu vir essa cena, talvez um arrepio percorra minha coluna, pois saberei que a vida é um sopro.

“A vida é um sopro”, quem disse isso foi Oscar Niemeyer, que morreu com 105 anos.

Jovens, guardem suas cartas. Suas fotos. Seus irmãos de carne.
Mas guardem, nem que seja um ou dois, irmãos escolhidos. E a medida que vocês percorrem a vida, e mudarem, e se transformarem. Eles, que terão também mudado, e se transformado, te ligarão de formas incompreensíveis a quem você foi. E que não será mais. Porque o tempo caminha de uma forma no espaço, e de outra completamente diferente dentro de nós.



24 maio, 2014

A Tristeza é Passageira

A tristeza é passageira.
Passageira do seu trem. Do seu carro.
Ela embarca na sua mala.
Ela se traveste de pássaro.
Pesa a leveza e te segura os pés.

A tristeza é passageira
Vai no banco ao lado
Atrapalhando seu sono.
Falando alto no seu ouvido.

A tristeza é passageira.
No transporte coletivo te deixa só
No carro, não te deixa em paz
Ela escolhe a música do rádio.
Ela implica com o farol demorado.

A tristeza passa.
Passa desfilando na sua frente.
Passa lentamente.
Te incomoda com os passos duros
Te seduz com o olho fundo.

A tristeza passa.
Passa esbarrando em você
E desvia antes que você perceba de onde veio.

A tristeza vai.
Vai contigo morar em outra cidade.
Vai junto no almoço com os pais
Entra com você no banho. Sai com você da balada.

De lágrima em lágrima vamos aprendendo que a tristeza é passageira
Que podemos transformá-la numa companheira de viagem.

E que ela vai muito bem acompanhada de pinot noir e blues.









13 maio, 2014

Casar e Morar Junto

Casar e morar junto são duas coisas completamente diferentes.
Não tem nada a ver com seu status no cartório. Tem a ver com entrega.
Você pode casar com todas as honras. Dar uma festa linda. Gastar os tubos na Lua de Mel. Se mudar com o marido para um apartamento lindo. pronto. decorado. cheio de almofadas em cima da cama...  Vocês podem ter se casado – mas vão demorar muito pra saber o que é morar junto.
Acho que existem casais que se casam com pompas, e nunca talvez tenham realmente morado juntos.

Morar junto é saber dividir. Saber cobrar. Saber ceder. Saber doar.

Morar junto é dividir as contas e as almas.
Morar junto é ter um pilha de louça pra lavar, depois de um dia terrível de 10 horas de trabalho. E o outro cantar com você para que, em um karaokê com detergente, o trabalho se torne divertido.
Morar junto é ter que assistir Homem Aranha no Telecine Action, e se esforçar para achar legal.
Morar junto é tomar banho junto.
Transformar o chuveiro em uma cachoeira. (e o banheiro em um charco)
Morar junto é ouvir onde dói no outro. Do que ele sente medo. Onde ele é criança. O que o deixa frágil.
Morar junto é poder chorar sem parar. E ser ouvida. E cuidada.
Mas é também rir. E achar graça em alguma coisa, quando o outro está pra baixo.
Morar junto é fazer contabilidade de frustrações, e saber quando não colocar na conta do outro.
Morar junto é demorar para levantar.
Morar junto não precisa de uma casa, e sim de um espaço.

Quem mora junto geralmente é solidário.
Casar não. Qualquer um casa. Pra casar basta assinatura e champanhe.
Casar leva umas horas. Morar junto leva tempo. O tempo todo.

Quando moramos juntos vemos o cabelo dele crescer e ela cortar uma franja.
Quando moramos juntos viramos adultos aos pouquinhos, dando um adeus doído ao adolescente que éramos.
Quando moramos junto mudamos junto. E o outro vira um outro diferente com os anos. E nós vamos aprendendo a amar aquela nova pessoa, todo dia.

Até o dia que, talvez, deixemos de morar juntos.