É porque as
vezes penso em pegar a estrada e partir.
Deixar um
bilhete apenas. Um bilhete só, para todos que amo
Um bilhete
que não diga nada demais. Não será eterno como os bilhetes de suicídio.
Será um
bilhete que só diga o óbvio: “fui, e não sei quando volto”
Acho que a
densidade dessa cidade, essa dencidade, nos faz sentir vida estacionada.
Sinto que
meu sangue corre lento, como a 23 de Maio.
Na estrada
vida flui. Na estrada, vida vai.
Prevejo que
se mudar de lugar posso dar um restart. Teria uma chance de ser outra.
Prevejo que
numa fazenda teria paz para pescar as palavras que aqui me escapam.
Prevejo que
num país pequeno teria gana de sonhar grande.
Prevejo que
numa praia, alcançaria a força que invejo.
Prevejo que
perdida, desenharia um caminho no chão.
Se essa São
Cidade nos empurra para um lado, para apertar do outro.
A estrada
nos empurra para.
Sentiria
medo?
Cansaço?
Talvez
saudades.
Mas a
questão é quando. Quando escreverei o bilhete e partirei?
Porque a
São Cidade me prende pelo tornozelo. Como uma rede de pesca enrolada em um
bicho. Ela está afogando.
Cada vez
que o alarme toca às 08h. Foi um dia que fiquei.
Cada vez
que dou a partida, e paro no vermelho. Foi um dia que fiquei.
Cada vez
que me ligam pedindo algo para ontem. Foi um dia que fiquei.
Cada vez
que não fiz o que devia. Foi um dia que fiquei.
E cada vez
que fiz, e só fiz o que é preciso. Foi um dia que fiquei.
Mas tem um
algo. Uma coisa só. Um pessoa. A pessoa rede. A pessoa que aperta. Me aperta e
que eu fico. A pessoa que me abraça depois que o alarme toca. Ela mesma. A
pessoa que está sentada ao lado quando dou a partida e paro no vermelho. O
porquê não parto. Porque não peito. Porque não pasto. Porque não vago. Porque
paro.
Por que não
atalho?
E o bilhete
não escrito ainda existe. Sempre existe. O bilhete sem tinta. O bilhete que não
deixo em cima da mesa. O bilhete que não foi. O bilhete que não fui.