10 fevereiro, 2014

Cerca

Foi logo no início que nos dedicamos a construir cercas.
Primeiro foram muros de pedra. Depois muralhas de pedra.
Logo colunas. Castelos. Portões.
Cercas de arame farpado para o interior. E de arame eletrificado para a cidade.

Subimos as paredes. Fixamos os alicerces.

Cercamos sem saber se queremos deixar pra fora ou pra dentro.
Cercamos tanto que o fora de um é o muro do outro.
Cercamos a ponto de ser o dentro do fora do vizinho.

No mato cercamos para os animais não entrarem.
No sítio cercamos para os animais não saírem.

Nós cercamos a ponto de nos cercarmos.

A janela antirruído cala a dor daquele outro.
A parede de drywall impede a intimidade que machuca
A baia mantém distâncias confortáveis.

E cerca de metade das cercas cercam outras paredes.


Quando éramos crianças, minha irmã e eu, gostávamos de subir no muro.
Vez ou outra pulávamos para a casa do vizinho, assim, sem sermos convidadas.
Lembro que o portão do vizinho tinha, no topo, lanças pontudas como aquelas dos guerreiros da Idade Média. Era de fato perigoso o que fazíamos. Mas nunca aconteceu nada.

Lembro que, um pouco mais velhas, nós duas aprendemos a escalar o muro da nossa própria casa e pular o portão. Manobra muito útil, pois vez ou outra esquecíamos de sair com a chave.

Não percebi que, mesmo pulando muros, passei a vida construindo cercas.

Tanto que não sei falar não.
Tanto que nunca bati, nem apanhei.
Tanto que sonho muito mais do que realizo.
Tanto que não digo o que penso, assim, na cara, pra quem quiser ouvir.
Tanto que, às vezes, tenho medo de caminhar a noite.
Tanto que desamarro preconceitos toda semana. E vira e mexe descubro um novo.
Tanto que minha sensibilidade está coberta com cimento e concreto.

No começo usava as mãos pra puxar, mas com arame farpado é difícil, pois os dedos sangram demais.

Agora decidi comprar um alicate, desses com dente. A cada arame cortado, me premio com vinho e bolo.

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