Foi logo no
início que nos dedicamos a construir cercas.
Primeiro
foram muros de pedra. Depois muralhas de pedra.
Logo
colunas. Castelos. Portões.
Cercas de
arame farpado para o interior. E de arame eletrificado para a cidade.
Subimos as
paredes. Fixamos os alicerces.
Cercamos
sem saber se queremos deixar pra fora ou pra dentro.
Cercamos
tanto que o fora de um é o muro do outro.
Cercamos a
ponto de ser o dentro do fora do vizinho.
No mato
cercamos para os animais não entrarem.
No sítio
cercamos para os animais não saírem.
Nós
cercamos a ponto de nos cercarmos.
A janela
antirruído cala a dor daquele outro.
A parede de
drywall impede a intimidade que machuca
A baia
mantém distâncias confortáveis.
E cerca de
metade das cercas cercam outras paredes.
Quando
éramos crianças, minha irmã e eu, gostávamos de subir no muro.
Vez ou
outra pulávamos para a casa do vizinho, assim, sem sermos convidadas.
Lembro que
o portão do vizinho tinha, no topo, lanças pontudas como aquelas dos guerreiros
da Idade Média. Era de fato perigoso o que fazíamos. Mas nunca aconteceu nada.
Lembro que,
um pouco mais velhas, nós duas aprendemos a escalar o muro da nossa própria
casa e pular o portão. Manobra muito útil, pois vez ou outra esquecíamos de
sair com a chave.
Não percebi
que, mesmo pulando muros, passei a vida construindo cercas.
Tanto que
não sei falar não.
Tanto que
nunca bati, nem apanhei.
Tanto que
sonho muito mais do que realizo.
Tanto que
não digo o que penso, assim, na cara, pra quem quiser ouvir.
Tanto que,
às vezes, tenho medo de caminhar a noite.
Tanto que
desamarro preconceitos toda semana. E vira e mexe descubro um novo.
Tanto que
minha sensibilidade está coberta com cimento e concreto.
No começo
usava as mãos pra puxar, mas com arame farpado é difícil, pois os dedos sangram
demais.
Agora
decidi comprar um alicate, desses com dente. A cada arame cortado, me premio
com vinho e bolo.
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