Desci do
prédio onde trabalho e as gotas já começavam a ameaçar. O dia já trazia aquela
agonia, que para o tempo antes da tempestade.
Tempestade,
para os paulistanos, é quase mau agouro.
Decidi
arriscar. Precisava de um sanduíche para fingir ao meu estômago que tinha
almoçado.
Determinada
a apertar o passo, calculei, como uma física experimental, a distância até o
toldo do restaurante. Medi a aceleração e a velocidade que precisava para chegar
semi seca.
Não
contabilizei o farol vermelho. Vermelho para pedestres.
Um farol
que abre três vezes para carros em diversas direções, e apenas uma para os
caminhantes. Parei.
Entre eu e
o toldo, uma rua. E um homenzinho vermelho.
As gotas
começaram a ficar mais grossas e com um espaço de tempo cada vez menor entre
elas. A chuva estava apertando e gelando.
Quando
escuto uma voz ao meu lado.
-
Se
você quiser ficar aqui embaixo do guarda-chuva....
Era uma
menina. Uns vinte anos? Mais um pouco talvez. Nunca tinha visto antes.
Me
aprocheguei ao lado dela, me encolhi no pequeno guarda-chuva.
Ficamos as
duas olhando para a frente. Para o chão listrado de branco. Os carros que
passavam, como se fosse correnteza de rio.
Eu, com
ansiedade peculiar, quebrei o silêncio. Falei da chuva.
-
Apertou
mais rápido do que esperava.
-
É
– ela disse.
-
Vou
até aquele restaurante – apontei o toldo
Alguns segundos mais e o farol abriu para nós.
Minha tendência costumaz foi de apertar o passo. Mas ela caminhou bem
mais lentamente. Como era a anfitriã do guarda-chuva, achei de bom tom
acompanhar o passo dela.
No meio da faixa agradeci a carona. No terço final me despedi. Quando
subimos na calçada, cortei para direita e me abriguei no toldo, dando um
tchauzinho para a responsável pelas minhas costas estarem secas.
Paulistanos gostam de conversar sobre o tempo. Na verdade, todos os
povos gostam de conversar sobre o tempo. Tem gente que reclama, diz que não é
assunto. Ou pior, é falta de assunto. Discordo totalmente.
Falar do tempo talvez já tenha sido, em vários momentos, o assunto mais
importante da humanidade.
Entender a meteorologia nos trouxe onde estamos. Nem mais nem menos.
Nossos costumes. Culturas. Gostos. Desejos. Produções artísticas e
científicas, foram moldadas pela meteorologia (ou você acha coincidência lugares
mais frios terem desenvolvido uma arquitetura mais “grandiosa” que povos das
florestas tropicais? para ficar em apenas uma das centenas de exemplos)
Para os paulistanos, hoje, falar de chuva continua sendo importante.
Paulistanos não gostamos de chuva. A chuva faz trânsito. A chuva estraga
as ruas. A chuva mata gente. A chuva estraga o fim de semana na praia.
A chuva é melancólica. Faz a gente pensar demais. A chuva traz
lembranças. A chuva é cinza. E cinza é mais dolorido que azul.
A chuva lembra aos paulistanos várias coisas que os paulistanos
gostariam de esquecer: que a gente afogou os rios. Que a gente impermeabilizou
as ruas. Que a gente não tem árvore nem terra o suficiente. Que a gente ajuda a
enlouquecer o clima do planeta. Que a gente, todo mundo, parece monstros no
trânsito. Que pessoas são egoístas. E quando começa a chover a gente percebe
que, em São Paulo, todo mundo só pensa em si. Nós somos uma das cidades mais
desumanamente individualistas do mundo!
A não ser quando ganhamos uma carona de guarda-chuva. Aí a gente lembra
que entre aquele monte de carros e luzes vermelhas e verdes e faixas e
asfalto e poças fedorentas existem, algumas, pessoas.
Amei o texto! Amei mais ainda encontrar alguém que, como eu, acha que existe amor em SP, sim. Pelo menos, às vezes.
ResponderExcluirParabéns!!!
Muito obrigada, Daniella! Sim, as cidades são feitas dessas pessoas, que acreditam nelas. E no carinho!
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