04 março, 2010

Olha como as coisas são...

CENA 1

Graças a acontecimentos recentes plenamente fora do meu controle. E graças ao fato eu não o ter o mínimo controle sobre a minha própria cabeça ( ou mente, como queiram) - que já vi até em um desses programas de tv ruim, que a gente acaba vendo porque o domingo estava ainda mais ruim - eu descobri que essa falta de controle pode chamar também falta de disciplina , que pode ser readquirida em artes marciais ou massagem Ayurvédica

Graças a tudo isso, eu não estou conseguindo, por um tipo de bloqueio criativo ou falta de concentração ou insônia graças a pensamentos repetitivos ou por pura preguiça causada por esses mesmos eventos fora do meu controle.

Eu não estou conseguindo sentar minha bunda na cadeira e escrever o roteiro de um simples, simplesinho, vídeo institucional. Freela que eu peguei pra pagar as contas e dar uma animada na minha semana.

Mas eu não estou conseguindo e eu não sei porque, porque eu faço isso quase todo dia, e fiz muito durante mais de ano.

Mas eu travei.


CENA 2


Como boa amante da literatura e das artes, e do bom gosto, e do que é bom, eu me interesso enormemente por literatura e arte erótica (veja bem, erótica não pornô).

Faz algumas semanas eu escuto no rádio - numa pílula programete apresentado por uma jornalista que eu nem gosto nem admiro tanto assim , mas que faz um bom trabalho com essas pílulas - a descrição de um livro chamado Pornopéia.

Não precisamos ser gênios para deduzir o tema do livro pelo título e, no mesmo instante, eu anotei em um papelzinho esse título para comprá-lo.

CENA 3

Abri hoje a internet para comprar o livro. Escrevi o nome dele na barra de pesquisa do google e dei de cara com a transcrição que o Sergio Rodrigues fez do início de Pornopopéia:



Vai, senta o rabo sujo nessa porra de cadeira giratória emperrada e trabalha, trabalha, fiadaputa. Taí o computinha zumbindo na sua frente. Vai, mano, põe na tua cabeça ferrada duma vez por todas: roteiro de vídeo institucional. Não é cinema, não é epopéia, não é arte. É — repita comigo — vídeo institucional. Pra ganhar o pão, babaca. E o pó. E a breja. E a brenfa. É cine-sabujice empresarial mesmo, e tá acabado. Cê tá careca de fazer essas merdas. Então, faz, e não enche o saco. Porra, tu roda até pornô de quinta pro Silas, aquele escroto do caralho, vai ter agora “bloqueio criativo” por causa dum institucionalzinho de merda? Faça-me o favor.
Ok, chega de papo. É só dirigir a porra da tua mente pra nova linha de embutidos de frango da Granja Itaquerambu. Podia ser qualquer outro tema, os cristais de Maurício de Nassau, a cavalgada das Valquírias, a vingança dos baobás contra o Pequeno Príncipe. Que diferença faz? Pensa que são os embutidos de frango do Nassau, a cavalgada das mortadelas, a vingança dos salsichões contra o Pequeno Salame. Pensa no target do vídeo: seres humanos a quem coube o karma nesta encarnação de vender no atacado os produtos da Itaquerambu. Pensa no evento em que o teu vídeo vai passar — vários eventos, aliás, todos no mesmo dia em todas as filiais do Brasil. Os seres humanos vendedores de embutidos verão teu vídeo e serão apresentados ao salsichão, ao salame e até à mortadela de frango, heresias saudáveis em matéria de junkyfood que a Itaquerambu vai lançar no mercado. Mesmo a tradicional salsicha e a insuperável lingüiça de frango vão ser relançadas com outra formulação, segundo eles dizem. Quer dizer, em vez do jornal reciclado de praxe, os putos vão adicionar algum tipo de pasta de lixo orgânico pasteurizado na mistura, imagino, mais uma contribuição da Itaquerambu para um planeta sustentável.



Porra, mas eu sou cineasta, caralho. Artista. Não nasci pra rodar vídeo institucional. E de embutidos de frango, inda por cima, caceta!


Calma, calma. Pensa que o teu vídeo será visto “de Passo Fundo a Quixeramobim, do Rio de Janeiro a Corumbá”, como disse o Zuba, ao sentir minha reação pouco eufórica diante do tema. “E capricha na linguagem brasileira universal, tá?”, foi o que ele me pediu, como se linguagem brasileira universal fosse uma das opções do Final Draft ou do Magic Screen Writer. Você clica em LBU e seu texto será entendido nos pampas, serrados, praias, selvas, semi-áridos e caatingas do país, sem contar os aglomerados urbanos e seus múltiplos guetos. Teu único filme de cinema até agora, por exemplo, nunca passou em tantos lugares ao mesmo tempo. Na caatinga, por exemplo, nunca foi visto. Não que se saiba.


Volto a perguntar: qual a diferença entre arte e embutidos de frango? Ou melhor: por que embutidos de frango não podem se transformar em arte?


Mas não precisa pensar nisso agora, nem em merda nenhuma que não seja frango embutido. Faz logo essa porra, porra. É bico: oito minutos de duração, um curta-metragem. Não vai matar o artista que há em você, amice. Ou havia. Ou nunca houve nem haverá. Foda-se.



É isso aí: vídeo institucional, embutidos de frango, Granja Itaquerambu. Beleza.


O que fode é o prazo. Sempre a porra do prazo. Tá ligado que esse roteiro tem que estar escrito, aprovado, rodado, entregue em mídia DVCAM, e exibido pros vendedores até 15 dias antes do lançamento da campanha na mídia? Ou seja, daqui a nove dias. Você devia ter chamado um bosta dum roteirista qualquer pra te ajudar, desses que filam cigarro e cerveja de mesa em mesa na Merça e não perdem chance de puxar uma lousa e dar aula sobre Hal Hartley e a narrativa cinematográfica interior aos substratos descontínuos da consciência dos personagens pra alguma gostosinha basbaque de peitinhos soltos dentro de uma camiseta de pano fino. Conheço vários roteiristas desse naipe. Dúzias deles, na verdade. Tudo uma corja de bebum cafungueiro desempregado du caraio. Por uma peteca de pó e duas Original você contrata na hora um deles. Se calhar, o infeliz ainda leva teu carro no mecânico pra trocar a fricção e te faz o obséquio de encarar uma fila de banco pra pagar tuas contas atrasadas.


Bullshit. Não preciso, nunca precisei de roteirista nenhum. Merda por merda, deixa que eu mesmo chuto. Só que dessa vez travei geral. E o cara da Itaquerambu tá no pé do Zuba, que tá no meu pé, que tô em pé de guerra com os embutidos de frango. Ridículo, isso. Fala sério: nem uma réles ideiazinha pro vídeo pintou ainda na tua cabeça, meu filho. Nem a porra duma idéia de merda.


Pois é, nem a idéia.


Tá foda.


Embutidos de frango.


Foda.




Conclusão 1: Vou comprar o livro com certeza.

Conclusão 2: Eu estou me sentindo um pouco mais patética. Primeiro porque não sou artista p... nenhuma. Segundo porque, mesmo assim, eu fico com essas travas criativas estúpidas sem conseguir fazer roteiros inacreditavelmente simples. E eu nem escrevi livro nenhum. Sou uma fraude

Conclusão 3: Talvez ninguém tenha nada a ver com isso

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